Construtora é obrigada a entregar chaves a consumidor que se encontrava em débito.
O texto aborda a questão da retenção das chaves de imóveis por construtoras, mesmo após o recebimento do valor principal pela venda, quando os financiamentos já foram liberados pelo agente financeiro. O autor destaca a ausência de definição precisa de propriedade no Código Civil, mas argumenta que, ao registrar o imóvel em nome próprio, o agente financeiro torna-se o real proprietário. O texto menciona responsabilidades tributárias e a possibilidade de cobrança pelo condomínio. O autor ressalta o direito do adquirente à posse e destaca a ação de imissão na posse como uma medida jurídica para reivindicar esse direito. Ao final, cita uma decisão judicial favorável ao adquirente nesse contexto.
11/5/20205 min read


Olá amigos (as),
O objetivo do presente texto é suscitar o embate técnico quanto ao posicionamento de construtoras que, mesmo tendo recebido o valor principal pela venda, retém as chaves de imóveis cujos financiamentos já foram liberados pelo agente financeiro, bem como parte do pagamento inicial realizado e que, por algum outro motivo, os adquirentes não puderam adimplir a totalidade do débito.
Inicialmente, cumpre esclarecer que o Código Civil não estabelece uma definição precisa de propriedade, contudo, por analogia, segundo o artigo 1228 do Código Civil, o agente que realiza o financiamento de imóvel residencial/comercial, registrando-o em nome próprio, inegavelmente torna-se seu real proprietário.
No mesmo sentido, vejamos o que determina o artigo 1.245 do Código Civil:
"Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o registro do título translativo no Registro de Imóveis. § 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante continua a ser havido como o dono do o imóvel." (grifei)
Neste ponto, imperioso destacar que, quem aliena imóvel em nome próprio, mediante financiamento imobiliário, passa a ser considerado dono do imóvel.
Seguindo, vale ressaltar que, ante o registro do imóvel em nome próprio, o adquirente passa a responder por todas as responsabilidade tributárias daí decorrentes, conforme se depreende do art. 130 do CTN (Código Tributário Nacional), senão vejamos:
“Art. 130. Os créditos tributários relativos a impostos cujo fato gerador seja a propriedade, o domínio útil ou a posse de bens imóveis, e bem assim os relativos a taxas pela prestação de serviços referentes a tais bens, ou a contribuições de melhoria, subrogam-se na pessoa dos respectivos adquirentes, salvo quando conste do título a prova de sua quitação.” (grifei)
Assim, tornar-se-ia desproporcional exigir do adquirente a quitação total pelo valor da entrada para que fosse realizada a entrega das chaves do imóvel, vez que o mesmo está obrigado ao pagamento do financiamento havido, das obrigações tributárias e, tratando-se de apartamentos ou imóveis em condomínio, das obrigações condominiais.
(Certamente cabe discussão ao que se refere às obrigações relativas ao condomínio, antes da entrega das chaves, mas isto não impede o condomínio, por vezes, de cobrar a dívida, negativar o proprietário, etc.)
Seguindo, o ordenamento jurídico pátrio ampara o direito do autor e assegura proteção legal às suas pretensões no Código Civil brasileiro em seu artigo 524, vejam:
“Art. 524. A lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem quer que injustamente os possua.”
Contudo, nos casos supracitados, é fato que o adquirente não tem a posse do imóvel, mas tem, todavia, direito a ela, no chamado júris possidendi. Portanto objetiva-se com essa modalidade de ação (imissão na posse) o reconhecimento definitivo do direito em litígio, sendo o fundamento da ação a ofensa do direito.
No mesmo sentido, a Súmula Nº. 487 do STF determina: “487. Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada.”
Assim, em casos em que a construtora/imobiliária retém a posse do imóvel, em decorrência de inadimplência pelo valor da entrada, a imissão de posse é uma situação que admite a antecipação.
Juridicamente, segundo o Art. 1228 do Código Civil, “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha.”, então não há espaço para negativa fundada em contrato, pois a construtora/imobiliária possui documento hábil à fazer valer seus direitos (recebimento - contrato), mediante instrumento próprio (ação de execução).
O que não se pode admitir é a retenção da posse, por empresa que não é proprietária, ante existência ou discussão de débito, vez que a construtora/imobiliária já recebeu sua maior parte (geralmente, acima de 80% do valor da venda).
Para aprofundar no tema, vale ressaltar que alienação fiduciária se caracteriza pela transferência, ao credor, da propriedade do bem garantidor, ficando o devedor (mutuário) com a simples posse direta, ou seja, o contato e a utilização direta do bem.
Sendo assim, a lei Lei 9.514/1997 e os dispositivos do Contrato firmado com o agente financeiro garantem ao adquirente a posse efetiva do imóvel.
Além disso, não pode a construtora/imobiliária reter as chaves do imóvel ao fim de compelir o adquirente a quitar sua dívida, nos termos por ela mesma impostos, visto que isto seria uma modalidade de autotutela.
E, por fim, para jogar uma ‘pá de cal’ ao assunto, temos a decisão liminar exarada nos Autos do Processo 0021101-03.2015.8.08.0024, da 2ª Vara Cível de Vila Velha/ES que diz:
"(...) verifico, nesse momento que, muito embora haja dissonância entre o valor da dívida, uma apresentada pelo autor e outra apresentada pelo réu, fato é que houve a assinatura do contrato de financiamento com a CEF, em que a própria construtora ré apôs sua firma, expressando a sua concordância e conhecimento no financiamento em tela, mesmo sabendo que o valor financiado não seria suficiente para o pagamento do saldo final. (...) Não pode, agora, a parte ré impedir que o autor adentre em seu imóvel sob a alegação de não pagamento do valor total do saldo final, isso porque, primeiramente, representaria a autotutela não abrigada pelo ordenamento jurídico, nem se enquadrando em suas exceções permissivas. Além disso, nem sequer é proprietária ou possuidora do bem, porque, uma vez assinado o contrato de financiamento, a nua-propriedade e a posse indireta do bem passa a pertencer à CEF, e não mais à construtora ré. Já a posse direta é dirigida ao autor, quem deve ser, de fato, imitido na posse de seu bem, não possuindo a parte ré direito de retenção de chaves na tentativa de cobrança. Portanto, e com as informações agora trazida pela parte autora, reconsidero aquela decisão de fls. 213, e DEFIRO os requerimentos antecipatórios. Expedir, pois, mandado de imissão de posse, para que seja o autor imitido na posse do imóvel objeto dos autos, sob pena de multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais) para cada dia que a ré impedir a entrada do autor no bem, até o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Citar e intimar." (Grifei)
Ante o exposto, seguimos na militância contra os abusos cometidos pelas instituições (construtoras / imobiliárias) que, ao contrário do que a lei determina, adotam a retenção das chaves com o objetivo (ilegal) de receber parcelas eventualmente inadimplentes.
Espero ter colaborado de alguma forma.