A fraude em investimento com criptomoedas.

Abordamos a problemática de clientes que tiveram valores bloqueados devido a fraudes em investimentos em criptomoedas. Reconhecendo a falta de regulamentação formal para as criptomoedas, destaca a vulnerabilidade dos investidores diante de estelionatos e esquemas de pirâmide. O texto fornece orientações jurídicas e destaca a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor a exchanges e traders profissionais. O autor sugere medidas judiciais, como o bloqueio imediato de valores, e destaca a importância de acionar as corretoras internacionais por meio do KYC (Conheça Seu Cliente). Além disso, enfatiza a busca por indenizações por danos morais e lucros cessantes. A postagem conclui incentivando os profissionais do direito a auxiliarem clientes e destaca a importância da representação criminal contra responsáveis por operações fraudulentas.

Sérgio Martins Parreira Júnior

6/10/20215 min read

Ante o grande volume de clientes questionando quais eram as ações necessárias para reaver valores bloqueados, decorrente de fraudes em investimentos em criptomoedas, resolvi escrever este pequeno arrazoado, a fim de colaborar com colegas que militam neste segmento.

É fato público e notório que, desde a criação das criptomoedas, estruturou-se um novo sistema financeiro estabelecendo uma verdadeira rede mundial interligada, gerando um grande volume de movimentações financeiras por meio de sua comercialização.

Antes de adentrar nas ações necessárias, importante salientar que as criptomoedas têm como principais características a incorporeidade/imaterialidade, a desnecessidade de um terceiro intermediário para realização de transações e a ausência de uma autoridade central emissora e controladora, o que tem chamado atenção de investidores com o objetivo de obtenção de lucro e criação de fundo de reserva, ante a sua inegável volatilidade, seja em valorização da própria moeda, seja em outras operações (ex: binárias).

Evidentemente, grande número destes clientes foram vítimas de estelionato, promovido por entes que prometem lucros irreais, frente ao mercado financeiro, com o objetivo de angariar valores em uma verdadeira "pirâmide financeira”.

Em que pese as criptomoedas não serem reconhecidas formalmente pela legislação em vigor, a Receita Federal já reconhece essa através da Instrução Normativa n.º 1888/2019, conferindo para as moedas o status de “ativo financeiro”.

O problema da ausência de regulamentação é que o Estado não tem o controle sobre quem oferece os serviços de intermediação, razão pela qual há uma enorme lacuna legal, permitindo verdadeiros golpistas de desviarem valores de investidores.

Sabemos que, justamente a ausência de controle pelo Estado, é o que motiva inúmeros investidores a aplicarem as suas finanças em corretoras, vez que, teoricamente, não há o risco de constrições, cobranças de impostos ou controle fiscal. Mas, para além disto, há um grande problema em quem não conhece do mercado e resolve entregar as suas finanças aos cuidados de terceiros (empresas - traders), pois além de correrem o risco de perderem todo o valor aplicado, podem estar sujeitas a responder processo por evasão de dinheiro e sonegação fiscal.

É certo que existem pessoas/empresas idôneas, assim como nos demais segmentos do mercado financeiro, e justamente usando dessa recém credibilidade criada no mercado é que pessoas/empresas mal intencionadas criam propostas irreais, cumprem com parte do contrato e, ao final, bloqueiam os valores investidos, sem deixar rastros.

Pois bem, vamos ao mérito:

Inicialmente, é importante salientar que, tanto em relação às denominadas exchanges, bem como em relação a traders profissionais, por oferecerem serviços de intermediação da compra, venda de criptomoedas, bem como por possibilitarem a custódia de valores, o Código de Defesa do Consumidor é plenamente aplicável.

Neste ponto, a jurisprudência já tem reconhecido a responsabilização das empresas intermediadoras de criptomoedas como fornecedoras de serviços, aptas a responder pelos prejuízos causados a seus consumidores, determinando, inclusive a inversão do ônus da prova, senão vejamos:

“RECURSO INOMINADO - CONSUMIDOR – DEFICIÊNCIA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE CUSTÓDIA DE BITCOINS – SAQUE FRAUDULENTO DA CONTA DO AUTOR – INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA – DEVOLUÇÃO – NECESSIDADE – SENTENÇA MANTIDA. (1ª Turma – Colégio Recursal de Carapicuíba – SP - Juiz Relator: Fernando Dominguez Guiguet Leal – Processo n.º 0011980-92.2016.8.26.0127 – data de julgamento: 17/10/2017).

Pois bem, partindo do princípio de que o caso em tela é decorrente de fraude, no âmbito cível, o primeiro passo é ingressar em juízo requerendo o imediato bloqueio dos valores, a fim de resguardar o investidor.

Neste ponto, além dos bloqueios de bens e valores tradicionais (SISBAJUD - RENAJUD é imperioso requerer a expedição de ofício para as principais corretoras de operação no mercado internacional, vez que, para o início da operação, o intermediador necessariamente é compelido a realizar o KYC.

Know Your Customer — também muito conhecido pela sigla KYC ou, no Brasil, pelo termo “Conheça Seu Cliente” — é uma expressão recorrente no mundo dos negócios, especialmente nos mercados financeiro e bancário. As normas de KYC regulamentam esses setores para garantir o equilíbrio do mercado, evitar riscos financeiros e combater o fomento a atividades ilícitas, como lavagem de dinheiro e corrupção.

Neste ponto, é imperioso destacar que já temos precedentes em território nacional, vide:

“Portanto, DEFIRO o pedido e, para tanto, OFICIE-SE a Associação Brasileira de Criptoeconomia (ABCripto) para que, em consulta junto as exchanges de criptomoedas associadas, informe, no prazo de 10 (dez) dias, se a empresa executada XXX é titular, direta ou indiretamente, de alguma criptomoeda e, em caso positivo, a especifique, informando qual moeda digital (p. ex.: bitcoin, ethereum, tether, etc), o valor da cotação no dia, onde/em que meio ela está custodiada (físico, virtual, software, hardware), o nome da exchange (se houver), dentre outras informações relevantes, valendo o presente como ofício.” (processo nº 0192700-88.2002.5.02.0054)

O processo cível, além de pleitear o imediato bloqueio de valores, em resguardo do investidor, haverá de discutir a rescisão contratual, a restituição de valores bloqueados, a aplicação de multa contratual (caso esteja prevista), a indenização por danos morais e a indenização pelos lucros cessantes.

Outro ponto que se destaca, é o fato de haver um histórico, das corretoras, das transações realizadas entre as carteiras de criptomoedas, de forma que, dependendo do caso, é possível obter o endereço da carteira de destino, permitindo uma nova busca de valores. É certo que os valores podem ser facilmente transferidos para ‘hardwalltes’ (carteiras físicas), ou convertidas em moedas irrastreáveis, dificultando o bloqueio e restituição.

Neste caso, a pesquisa deve ser concentrada nos agentes (ou agente) que foram responsáveis por operacionalizar as intermediações, em pesquisa de bens por procuração (ex: o agente adquire um imóvel mas não transfere para nome próprio, mantendo apenas uma procuração pública para gerir, alienar, vender, etc, o bem), bem como em pessoas próximas que, misteriosamente, passaram a adquirir bens.

Geralmente, realizamos a busca de bens em nome de cônjuges e parentes próximos até o terceiro grau (cartórios de registro de imóveis e delegacia de trânsito). Havendo discrepância no ganho patrimonial, oficiamos a delegacia e o Ministério Público, para a análise apurada, antes de requerer a inclusão no pólo passivo da ação.

Outro ponto que não pode ser ignorado é a representação criminal e o protocolo da notícia crime, pois com o auxílio do Ministério Público e dos órgãos competentes, os responsáveis pelas operações fraudulentas haverão de sofrer as consequências de seus atos, nos termos da lei.

Espero ter colaborado com colegas que assumem casos similares e, mais ainda, com os clientes que, por vezes, investem todo o seu patrimônio e sofrem as consequências de terem acreditado em promessas levianas.

Vamos à luta!